ALAMBAMENTO ASSEGURADO

A visita do primeiro-ministro português à parte nobre de Angola foi um sucesso. Como previsto, foram excluídos assuntos menores como os direitos humanos, os mais de 20 milhões de angolanos pobres, os mais de cinco milhões de crianças que estão fora do sistema de ensino ou o êxito do programa do MPLA, implementado há 49 anos, e que visa ensinar os angolanos a viver sem… comer.

A perspicácia de Luís Montenegro em ser forte com os fracos e fraquinho com os pobres até parece uma cópia do ADN do MPLA. Isso mesmo foi constatado pelo seu homólogo angolano, general João Lourenço, igualmente Presidente do MPLA e da República (não nominalmente eleito), sem esquecer o também Comandante-em-Chefe das Forças Armadas. Daí o dirigente luso ter tido um “orgasmo” mental quando disse a João Lourenço que o relacionamento com Angola “é um relacionamento de todas as horas”, e independente de qualquer ciclo político em Portugal, já que em Angola o ciclo (do MPLA) é o mesmo há 49 anos.

Luís Montenegro sempre disse que a intenção do Governo PSD/CDS-PP, que tomou posse em 2 de Abril, era “manter este percurso de relação próxima entre governos em muitas áreas, da cultura à educação, às relações económicas”, destacando que há já muitas empresas portuguesas a actuarem em áreas prioritárias, estratégicas em Angola, como o sector agro-alimentar, têxtil, farmacêutico, turístico, na construção, nas energias renováveis ou em áreas tecnológicas.

O primeiro-ministro afirmou ainda que o Governo português tem “todo o interesse” em consolidar posições não só a nível bilateral, “mas também multilateral”, no quadro da relação de Angola com a União Europeia, no quadro da CPLP, das Nações Unidas e do G20.

Em Junho, já o ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, disse em Luanda que Portugal queria agilizar o processamento dos vistos, enviando 45 especialistas para postos consulares identificados como prioritários, e salientou que o número de vistos concedidos por Portugal a cidadãos angolanos aumentou 43%, passando de 42 mil para 57 mil, em 2023.

Recorde-se que o saldo da balança comercial entre Angola e Portugal melhorou 24% no ano passado, para 991 milhões de euros, o valor mais alto dos últimos seis anos, nos quais tem sido sempre favorável a Portugal.

De acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) português, no ano passado Portugal exportou bens e serviços no valor de 1,2 mil milhões de euros, o que compara com os 270 milhões gastos na importação de produtos angolanos.

No ano anterior, em 2022, as exportações foram ligeiramente maiores (1,4 mil milhões de euros), mas as importações tinham sido significativamente maiores, mais de 624 milhões de euros, o que explica a subida de 24% no saldo comercial favorável a Portugal em 2023 face ao ano anterior.

Olhando para os últimos seis anos, o saldo da balança comercial entre os dois países tem sido sempre favorável a Portugal, sendo que o ano em que a balança foi mais equilibrada foi 2019, quando Portugal importou mais de mil milhões de euros de produtos angolanos, na sua esmagadora maioria petróleo, e exportou 1,2 mil milhões, o que fez com que o saldo fosse positivo em apenas 163 milhões de euros.

Desde então, as importações caíram significativamente, para 389 milhões em 2020, ainda mais em 2021, para 80,5 milhões de euros, e depois subiram, em 2022, para 624 milhões de euros, caindo novamente no ano passado, para 270 milhões.

Em sentido inverso, as exportações portuguesas conheceram o valor mais alto dos últimos cinco anos em 2018, com mais de 1,5 mil milhões de vendas a Angola, caindo depois para 1,2 mil milhões, em 2019, e depois para 870 milhões e 951 milhões de euros nos anos de 2020 e 2021, marcados pela pandemia de covid-19.

Nos dois anos seguintes, em 2022 e 2023, as exportações portuguesas para o segundo maior produtor de petróleo na África subsaariana aumentaram para 1,4 e 1,2 mil milhões de euros.

No que diz respeito aos produtos exportados por Portugal, as rubricas de “reactores nucleares, caldeiras, máquinas, aparelhos e instrumentos mecânicos”, juntamente com “máquinas, aparelhos e materiais eléctricos, e aparelhos de gravação e reprodução de imagem e som” são as categorias principais.

Entretanto, por falta tempo, de espaço na agenda, de dignidade, de coluna vertebral e de respeito ficaram excluídos da agenda de Luís Montenegro temas menores e irrelevantes como:

– 68% da população angolana ser afectada pela pobreza, a taxa de mortalidade infantil ser das mais alta do mundo, com 250 mortes por cada 1.000 crianças, só 38% da população angolana ter acesso a água potável e somente 44% dispor de saneamento básico;

– Apenas um quarto da população angolana ter acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade, 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalações, da falta de pessoal, da falta de material e de carência de medicamentos;

– 45% das crianças angolanas sofrerem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos, a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens, ou seja, o cabritismo, ser o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos;

– O acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, estar limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder;

– Angola ser um dos países mais corruptos do mundo, que tem 20 milhões de pobres e ser governada há 49 anos pelo MPLA.

Portugal consegue assim e mais uma vez não o respeito mas a anuência do regime para as suas negociatas. Esquece-se, contudo, de algo que mais cedo ou mais tarde lhes vai sair caro: o regime não é eterno e os angolanos têm memória.

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